sábado, 27 de março de 2010

TEMPOS NA ESCOLA CONJUGANDO CHRÓNOS E KAIRÓS

TEMPOS NA ESCOLA CONJUGANDO CHRÓNOS E KAIRÓS
Texto de Mônica Andréa Porto Louvem – Fragmentos da Dissertação de Mestrado INCLUSÃO ESCOLAR EM ANÁLISE: MOVIMENTOS AUTOGESTIVOS NO COTIDIANO DE UMA ESCOLA – CRIANDO POSSÍVEIS, Vitória, UFES, 2005.


No cotidiano escolar, o tempo vem aparecendo como um problema. A falta de tempo para planejar, a falta de tempo para formação, a falta de tempo para trabalhos coletivos... No entanto, nos últimos anos, os profissionais das escolas em nosso município, têm conquistado tempos: tempo de planejamento, tempo para formação e outros tempos... Mas de que tempo estamos falando?

Asmann (1998, p. 213), conduz-nos a reflexões sobre o tempo. Uma dessas reflexões refere-se à relação do tempo do relógio com o tempo vivido. O tempo “contado”, cronológico é o tempo chrónos – o tempo do relógio. Kairós é o tempo vivido, tempo subjetivo, tempo vivencial. Esses tempos estão numa permanente relação.

O tempo chrónos, às vezes, paralisa os profissionais da escola diante da necessidade de mais tempo. Os profissionais ressentem-se da “falta” de tempo e cada vez mais há uma exigência maior de tempo. Exigência do cotidiano, das necessidades... exigência do sistema educacional, exigência do trabalho, do ter dinheiro, do sobreviver.
Concordamos com Rodrigues e Barros (1992, p. 247):

"Esse tempo, pressionado pela urgência da sobrevivência, produz mais do que “um correr contra o relógio”, um impedimento de encontro com novas vias, novas maneiras de estar no mundo. Tudo já está determinado e o que porventura escapar deve ser rapidamente neutralizado. O tempo deve ser controlado, administrado de tal maneira que tudo passa a ter o mesmo gosto, o mesmo cheiro, o mesmo tempo."

A “falta” de tempo que atravessa o cotidiano da escola relaciona-se diretamente com o uso que se faz dele. O tempo que ele tanto quer está ali, mas ele não consegue vê-lo (O Papalagui).

A utilização do tempo é um dos questionamentos que emergem quando vivenciamos o cotidiano escolar. Aqui começamos a falar do tempo Kairós, o tempo vivido. Esse tempo implica nos múltiplos sentidos e significados dos acontecimentos para cada sujeito, para cada grupo. “Quando experimentamos dor ou prazer, os instantes se tornam subjetivamente assimétricos. Na dor o instante é um sufoco interminável, na espera ele parece estagnar-se e no prazer ele dispara e se esvai” (ASMANN, 1998, p. 216).

Como conjugar o tempo chrónos e o tempo Kairós no cotidiano escolar?
Asmann (1998, p. 232) diferencia o tempo da escola do tempo pedagógico. Para ele, “tempo pedagógico é o tempo dedicado a produzir vivências do prazer de estar aprendendo” e este só se dá “quando seu transcurso cria um espaço e um clima organizativo propício às experiências de aprendizagem”.

A idéia de tempo pedagógico de Asmann, responde a parte dos nossos questionamentos. Entendemos que o tempo da escola, reduzido à contagem de horas, pode não ser um tempo que provocará aprendizagens significativas. Mas, muitas vezes, mesmo na contagem de horas, vivências significativas acontecem, constituindo o tempo em “tempo pedagógico”.

O que a escola vem fazendo com seus tempos – seus tempos institucionalizados, os tempos subjetivos de cada aluno, de cada profissional? – o “tempo da invenção” de outras práticas que se criam no encontro dos tempos, das intensidades...?
O “tempo” escolar é ainda um tempo único, estipulado por toda uma forma de funcionamento escolar, estipulado pelo professor, que “planeja” os seus momentos. Há necessidade de passar de uma atividade para outra e de que todos tenham terminado num mesmo tempo, muitas vezes sem compreensão.

Na lógica hierarquizada e sequencializada da escola, os tempos subjetivos dos alunos, seus ritmos de aprendizagem às vezes são desconsiderados e impostos a um tempo igual para todos (assim também, para todos os profissionais da escola). Esse é um dos grandes dilemas da escola no atendimento à diversidade.

Nesse cotidiano, também se dão rupturas com a “falta” de tempo e com os tempos instituídos. Vão-se criando possibilidades de outros tempos das intensidades que se agitam em nós e nos fazem criar... tempo de criação, de invenção...

Diante de todas essas questões em relação ao tempo, ampliamos nosso entendimento com as considerações de Asmann (1998, p. 235)
"O tempo institucional deveria estar sempre a serviço de um clima institucional que estimule a sincronização entre tempos cronológicos e tempos vivenciados. A criação de condições de aprendizagem requer que a temporalidade institucional seja colocada em função da produção do tempo vivo, ou seja, a serviço de um tempo que se revele fecundo para a construção do conhecimento e para alentar a sensação de alunos/as e docentes de que eles efetivamente se encontram inseridos num tempo pedagógico."

Numa política educacional inclusiva em que se privilegiam os processos coletivos, as trocas de conhecimentos e a colaboração entre profissionais, é necessária a instituição de tempos chrónos para a escola e para os profissionais. Entendemos que, além de criar tempos, os profissionais da escola devem lutar para que lhes sejam dados tempos relógios, buscando condições de desenvolver seus trabalhos. Do mesmo modo, precisam coletivamente discutir os tempos vividos da escola, para que estes sejam ressignificados e transformados em tempos pedagógicos.


Referências:


1 ASSMANN, H. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
2 RODRIGUES, H. B. C.; BARROS, R. D. B. Retrato de uma intervenção. In: RODRIGUES, H. et al. (Org.). Grupos e instituições em análise. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992. p. 213-248.
3 SCHEURMANN, E. O Papalagui. São Paulo: Marco Zero, 1985.

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